Acreditar que é possível mudar o mundo é uma coisa, fazê-lo é outra completamente diferente. Gostar de cooperar é uma coisa, trabalhar enquanto construtora de pontes de colaboração é outra. Ser emocional não é fraqueza. Ter sonhos pelos quais se trabalha não é ser apenas idealista. Partilhar conhecimento e experiências é não ser egoísta. Ensinar a usar a cana em vez de dar o peixe é a Teach How to Fish, e esse é o projeto e a vida da Susana. Desafia-te com esta história.
Sinopse de como nos conhecemos
Gosto bastante de fazer o exercício mental de traçar como conheci alguém, porque revela-se como o desenrolar de um novelo de contactos, pessoas e coincidências. Em 2019 fui convidada para ir a um encontro do BNI Sublime em Lisboa (aqui falo sobre isso) onde tive a oportunidade de apresentar a Solo Adventures. Nesse evento troquei contacto com vários dos presentes e meses mais tarde um dos participantes contactou-me para reunirmos.
Nessa reunião entre muitos outros temas sugeriu-me que conhecesse a Susana porque ao lhe contar a minha história ele lembrou-se que tínhamos vários pontos em comum e podíamos de alguma forma colaborar. Assim foi, contactei-a e pouco tempo depois encontramo-nos pessoalmente. Quando nos vimos demos um abraço sincero (isto antes da pandemia chegar a Portugal para quem se estiver a questionar, velhos tempos) e tivemos uma conversa de fim de tarde inspiradora onde trocámos pontos de vista, partilhámos quais os desafios pessoais e os que enfrentamos no setor social.
Lembro-me durante a conversa dizer que era pena não estar a ser gravada e desde esse momento fiquei com a ideia de a convidar a partilhar a sua história e lições de vida na Solo Adventures. Por coincidência o destino serviu de lembrete e uma pessoa amiga da Susana que segue o nosso trabalho sugeriu o seu nome para lhe fazermos a surpresa de lhe lançarmos este desafio. É isto, parece que nada acontece por acaso, não é?
Sobre a Susana
Esta história não sou eu quem a vai contar porque a Susana, mulher de emoções e ambiciosa, escreveu o seu caminho de uma forma que nos transporta para o que realmente importa.
Assim começa:
"Nasci no Outono de 1979. Sou a filha do meio, com uma diferença de 5 anos para a minha irmã mais velha e apenas 13 meses para o meu irmão. Esta tão curta diferença de idades permitiu-me viver grande parte do tempo na minha infância em casa dos meus avós maternos.
Os meus pais são ambos de famílias humildes e viveram histórias na primeira pessoa para mim muito inquietantes.
Os meus avós maternos: a minha avó era dona de casa, o meu avô carpinteiro na Lisnave. Fazia barquinhos de madeira maravilhosos para ganhar um extra e desenhava ao meu lado para eu aprender. Com eles aprendi entre tantas coisas a beleza da humildade, do amor verdadeiro e desinteressado, da atenção pelos mais frágeis e desfavorecidos nas muitas histórias que tive a sorte de comigo partilharem e por outras coisas que eu mesma vi acontecerem.
Os paternos: ambos trabalhavam no campo, numa aldeia muito pequenina perto de Vila Nova de Foz Côa. Com eles conheci os aromas e sabores do campo, vivi a lavagem da roupa no tanque de pedra comunitário (e vi a minha avó a carregar uma bilha de água azul sobre a cabeça) ou um aviso de que estava alguém ao telefone e era para ela, no supermercado a 700 mts de casa. Apanhei frutos das árvores para comer, fiz vindima e comi sopa deliciosa cozinhada na lareira nas panelas de ferro fundido.
Sempre fui muito atenta, uma esponja a absorver as histórias e a tentar compreender em mim o que seria para os meus pais terem vivido todas aquelas dificuldades e emoções tão jovens. Nada para eles foi fácil. O meu pai por exemplo veio para Lisboa com apenas 11 anos para trabalhar e não pesar no orçamento familiar, afinal dos rapazes era o mais velho e eram 5 filhos. Trabalhou como mandarete no hotel onde regressou 24 anos depois como director geral, e onde ainda está com 70 anos de idade. A minha mãe como filha mais velha, “ai se algo faltasse”, ia logo buscar linha para fazer boinas até os olhos de criança se fecharem para que uma vizinha levasse para vender em Lisboa. Conheço tantas histórias. E permitam-me dizer, que quem com 2 dedos de testa ouve e guarda histórias poupa-se a muitos problemas e ainda ganha muito bónus na chamada “intuição”.
Vivia em Almada e cada vez que a minha mãe ou avó me anunciavam que íamos a Lisboa reunia no porta-moedas todas as moedas que tinha guardado para ir distribuindo pela rua Augusta às muitas pessoas que ali sentadas partilhavam em vulnerabilidade as suas carências.
Sou formada em Publicidade mas tinha uma paixão pelo design de moda. Felizmente (acredito agora) não consegui entrar e optei por Publicidade porque acreditei que iria dar-me algumas importantes noções de gestão de empresas, etc, coisas que o design jamais permite. Sempre auto didacta, aprendi a trabalhar com todos os programas necessários na altura, e cheguei a trabalhar como Designer de Publicidade com marcas reconhecidas como a Delta, etc, mas sempre mantendo a (estranha nesta função) ligação aos clientes como "Account”ou “ponte” entre o cliente e a agência. Aprendi aqui não só a fazer muitas coisas que me permitem ter autonomia nesta área, mas também a alimentar o gosto pelo contacto com pessoas, a conseguir mais do que angariar clientes, ajudar a resolver desafios com os parceiros.
Aos 23 anos sensivelmente defini que iria fazer uma experiência de voluntariado e na Índia, país que sempre me cativou imenso. Comecei a procurar soluções, mudei de trabalho para Account num hotel, e elaborei um estudo e enquadramento socioeconómico na zona escolhida e no início de 2006 apresentei à Fundação Oriente. Ganhei uma pequena bolsa, despedi-me e fui. Correu “muito pouco bem” esta experiência, desde a saída ao regresso que teve de ser antecipado, mas repetiria tudo novamente. Depois em 2012 voltei para conhecer a Índia, e de Portugal fiquei a fazer “a ponte” para uma ONG em Goa. Em 2015 pedi uma espécie de licença sem vencimento e fui, por 10 dias, como voluntária ao Camboja. Lá visitei várias escolas, aldeias, vi centenas de crianças, brinquei com elas, enchi balões, cantei, mas a verdade é que cheguei a Portugal e estava de rastos. Senti na verdade que não tinha mudado a vida de uma única criança, nem da menina que tanto me tinha tocado pelo seu olhar triste e sem brilho numa das aldeias visitadas.
Numa conversa com um monge budista perguntei-lhe como poderia ajudar o seu povo, e ele pediu-me que “parássemos” de lhes dar o peixe e os ensinássemos a pescar. Dai surge o nome do projeto que criei no regresso, 100% voluntário, o Teach How to Fish, com o qual pretendo criar uma comunidade composta por pessoas de diversas valências, cujo objetivo é transformar a dependência de caridade em auto-suficiência. Comecei o projeto com a família desta menina e mais 9 da mesma aldeia, e atualmente já trabalhamos com mais 4 famílias. Comecei o Projeto no Camboja por uma questão muito simples: poder viajar sozinha em segurança. Mas agora que o Projeto ganhou força quero muito chegar a todos os outros países como a Índia, Marrocos, Moçambique, Palestina, etc, onde formos úteis, e claro, em Portugal.
É aqui, nesta missão que eu sou eu. É isto que eu sou. É aqui que os meus olhos brilham, é em missão que sinto que consigo servir e ser útil e que todos sem exceção sentem que é por amor. Sei que às vezes tudo isto transmite aos mais ambiciosos no “mundo normal” de que tenho visão curta, que me deixo levar pelas emoções, ou que não sou ambiciosa. Mas é exatamente o contrário. Eu vejo e sinto, interpreto e deixo cada um ser o que é em liberdade, eu deixo-me levar pelas emoções quando eu quero e porque me questiono permanente e sei estar perante os outros, o que se traduz em jamais querer ter a presunção que ter a sorte de ter forma de dar e partilhar me atribui alguma espécie de poder sobre a vida de quem quer que seja, e por último o meu sonho é um dos mais ambiciosos que eu conheço, não é todos os dias que uma mulher de classe média, com 35 anos desafia um sistema antigo e, de forma totalmente voluntária, cria um projeto com os objetivos do THF e que se propõe a fazer uma mudança efetiva que ultrapassará esta tão vincada “barreira invisível”, que nunca até hoje nos permitiu mudar o paradigma nem da ajuda nem da pobreza.
Na mesma altura mudei de trabalho para uma empresa do Grupo, e trabalho agora como business developer numa fintech, onde resumindo faço também “pontes” entre os parceiros e as soluções da empresa que melhor servem as suas necessidades.
Sou empreendedora, uma fazedora de pontes. Quer no Projeto, quer no trabalho, quer na minha vida de uma forma geral. Sou fã de parcerias e acredito na liderança apenas com visão e sentido de grupo, e que jamais a solidão garantirá sustentabilidade e sucesso duradouro a um líder. Somos muito pequeninos e por mais que queiramos controlar tudo à nossa volta, o foco do voluntário deverá permanecer sempre no outro, naquele que mais precisa. Por isso são tão importantes as parcerias. Ninguém jamais chegará longe como líder isolado, sozinho na frente sem “admitir em soberba” melhorar e afinar métodos e fórmulas, sobretudo quando apenas replica modelos já obsoletos de caridade.
Para mim, apenas JUNTOS, com respeito, escuta, foco, amor e muita vontade de ajudar e cooperar em total desapego cumpriremos a meta e o sonho. E claro, com muito trabalho também. Porque a mim a sorte sempre me deu um imenso trabalho.
Das coisas que mais gosto são a justiça, a verdade, a humildade, a esperança e o AMOR.
Das que menos gosto está a pobreza, a injustiça, a soberba e o efeito “ovelhismo”."
Esta é apenas uma parte da sua história porque claro ficou muito por contar - as suas experiências em mais detalhe na Índia, na Palestina, outras viagens que a moldaram... mas esta é a que a Susana tinha para te dizer porque queria focar "mais na transformação e percurso" que a fez chegar onde está no presente.
E tu, qual é a tua história?
Segue a Susana e o seu projeto:
www.teachhowtofish.org | IN | FB | INSTAGRAM | YOUTUBE
Carrega sobre as imagens para mais detalhes.
Lições de vida
-da Susana para nós-
1 - “Nada teu exagera ou exclui. Põe quanto és no mínimo que fazes.”: De nada vale o “e se eu tivesse feito de outra forma”. Acredito que todas as experiências nos dão as ferramentas essenciais e necessárias para chegarmos melhor preparados ao nosso propósito de vida. Devemos sempre viver todas as experiências com o máximo de empenho e dignidade, dando o melhor que somos e sabemos. Seja ao nível de formação, numa qualquer relação, no trabalho, num hobbie, etc. Quando sentimos que damos o melhor que somos e temos, não poderemos cobrar a nós mesmos que poderíamos ter feito ou dado mais. Desta forma acredito que em cada experiência aprendemos melhor e cresceremos em paz connosco e com todos os demais.
2 - Ninguém fica mais pobre por partilhar: Será sempre a dar que mais receberemos. É na partilha, no dar em desapego e com amor, que mais recebemos SEMPRE. É incrível, mas sempre que partilhamos em bem, conseguiremos encontrar sorrisos maravilhosos, palavras positivas e uma sensação única que a mim sempre me faz acreditar que nunca conseguirei dar mais do que aquilo que recebo. E dar pode ser um sorriso, o nosso tempo, uma palavra amiga ou simplesmente escutar alguém.
3 - A sorte dá sempre muito trabalho: Sou uma sortuda pelas oportunidades que tenho, embora que nunca nenhuma me tenha caído nas mãos. Às vezes perguntam-me como tão nova criei um Projeto com a vontade, valores e objetivos do Teach How to Fish e depois dizem-me:- tiveste sorte de criar algo assim. Não deixa de ser verdade que tenha tido a sorte de ser eu, mas o imenso e permanente trabalho e preocupações que estão por trás deste “sucesso” são invisíveis para uma maioria. O trabalho que deu cada passo, que dá organizar cada missão. E localmente? Tudo o que é necessário gerir com todos: desde o emocional, às expectativas e à ação em si.
Por isso acredito que o:
4 - O novo não vem se não soltarmos o velho: Escolher é preterir e por isso mesmo, quando dizemos não a algo que já não queremos para nós, seja o que for que nos faz mal ou impede de evoluir, permitimo-nos dizer que sim a outras coisas. Sabermos dizer eu não quero esta sensação ou experiência é para mim idêntico a dizermos eu para mim quero isto ou aquilo. Devemos saber que sair da zona de (des)conforto custa sempre, que as rotinas são normalmente resultado do medo, e confiar que só faz sentido quando nos faz sentir bem!
5 - Se consigo sonhar, conseguirei realizar: Cada vez mais sigo a minha intuição, a minha vontade, aquela voz que cá dentro fala e nunca se cansa a que chamamos consciência. Se o meu sonho não prejudica ninguém, se o meu sonho pelo contrário pode melhorar a vida de alguém, se me fará ser e estar mais feliz, realizada e dar sentido à minha existência e vida, porque razão poderia deixar de trabalhar e dedicar-me com tudo, de corpo e alma a ele?! O TEACH How to Fish é o inicio da realização de um sonho, os primeiros passinhos na minha missão de vida.
Boas Aventuras,
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