A perfeita ilusão da liberdade - Será que somos livres?
- Carla Henriques
- há 2 dias
- 3 min de leitura
Será que somos mesmo livres ou será a nossa liberdade apenas uma ilusão? Acordamos, escolhemos o que vestir, bebemos café, tomamos banho. Saímos de casa, trabalhamos, passeamos, votamos, dizemos o que pensamos nas redes sociais. Falamos de liberdade como se fosse um dado adquirido — uma certeza quase genética, como se nascêssemos com ela tatuada na nossa pele.
Mas será que somos verdadeiramente livres? Ou será que vivemos apenas sob a doce, confortável e engenhosa ilusão da liberdade?
Vivemos tempos em que liberdade e escolha são frequentemente confundidas. Mas será que escolher entre dois modelos de telemóvel, entre partidos políticos que se tornam cada vez mais semelhantes, ou entre trabalhar mais horas ou acumular dois empregos... é, de facto, ser livre?
Talvez não. Talvez escolher entre dois vestidos, entre sair ou ficar em casa, entre tirar férias este mês ou no próximo, seja apenas uma simulação de autonomia. Um teatro de possibilidades dentro de um palco já montado por outros.
A verdadeira liberdade não se esgota na multiplicidade de opções de consumo ou nas decisões superficiais do quotidiano. A verdadeira liberdade questiona. Questiona o sistema, os limites invisíveis, os papéis que nos foram atribuídos antes mesmo de sabermos escrever o nosso nome.
Estaremos apenas anestesiados por um sistema que nos permite mover dentro de fronteiras tão subtilmente desenhadas que já nem percebemos que são muros? Seremos livres... ou apenas domesticados com liberdade suficiente para não levantar suspeitas?
Ser livre é mais do que não estar preso. É mais do que ter um passaporte e poder circular quando e para onde queremos. É mais do que dizer o que queremos e pensamos. A verdadeira liberdade começa onde acaba o medo — e, sejamos honestos, quantas das nossas escolhas não nascem, ainda hoje, do medo? Medo de ficar para trás. Medo de falhar. Medo de desagradar. Medo de não cumprir as expectativas. Medo de ser quem realmente somos.
E é aqui que a ilusão se instala. A ilusão sedutora. Somos livres, dizem-nos. Mas depois há o contrato que não podemos recusar. Os horários que temos de cumprir. As palavras que temos de calar. O algoritmo que nos condiciona. A dívida que nos prende. A aparência que devemos manter. A normalidade que temos de seguir. A pressão invisível para não sairmos do molde.

Vivemos numa liberdade vigiada. Uma liberdade cheia de asteriscos, cabeçalhos e notas de rodapé. Onde há regras silenciosas e recompensas para quem se comporta “como deve ser”. Para quem é “um menino bem-comportado”. Onde a liberdade de pensar é tolerada até ao momento em que ameaça os alicerces do sistema que a permite. Ou os líderes que não se pretendem ver desafiados ou contrariados.
E, no entanto, há momentos de pura liberdade. Quando dizemos não. Quando escolhemos o caminho mais difícil porque é aquele em que mais acreditamos e consideramos mais nosso. Quando deixamos um emprego onde não somos felizes. Quando amamos quem queremos mesmo que todos sejam contra. Quando assumimos as nossas falhas sem medo. Quando nos libertamos da ideia de que temos de ser tudo para todos.
A liberdade, no fim, não é um lugar. Não. Não é. É um estado de espírito. Um risco. Uma desobediência. É a coragem de viver com e em verdade, mesmo que isso signifique viver fora das normas e das regras. Mesmo que isso nos assuste. Mesmo que isso nos afaste.
Não sei se somos verdadeiramente livres. Mas sei que, cada vez que escolhemos em consciência — e não por conveniência — estamos mais perto de o ser. Mesmo que o preço seja alto.
Porque, no fundo, talvez ser livre seja isso: escolher viver em verdade, ainda que o mundo, na maioria das vezes, insista na mentira.

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